terça-feira, 19 de julho de 2011


Terça-feira, 19/07/2011
Jonathan Campos/ Gazeta do Povo
Jonathan Campos/ Gazeta do Povo / José Odair de Souza, professor de Educação Física, dá aulas nos três períodos e esporadicamente ainda apita torneios esportivos e gincanas nos fins de semanaJosé Odair de Souza, professor de Educação Física, dá aulas nos três períodos e esporadicamente ainda apita torneios esportivos e gincanas nos fins de semana
aula triplicada

Docentes encaram 3 turnos para driblar baixo salário

De acordo com levantamento do Inep, 10% dos professores do Paraná dão aula de manhã, de tarde e de noite para aumentar a renda
Publicado em 19/07/2011 | Jônatas Dias Lima

Para aproximadamente 11 mil professores paranaenses, as férias de julho são um momento completamente atípico em relação à sua rotina comum em dias letivos. Se os profissionais que trabalham 20 ou 40 horas esperam ansiosos por essa época do ano, para aqueles que optam por dar aulas em três turnos, descansar em casa é um luxo do qual só desfrutam em alguns fins de semana ou nas madrugadas, dormindo. Esse é o drama de 10% dos docentes que atuam na rede pública de educação no Paraná. Segundo a Sinopse Estatística da Educação Básica, estudo anual realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) com dados do Censo Escolar, o número de professores que completam 60 horas semanais no estado é o maior da Região Sul e está acima da média nacional, que é de 7%.

A necessidade de rendimentos maiores aliada à possibilidade de se vincular a diferentes instituições são as primeiras motivações apontadas por quem escolhe uma rotina tão intensa. “É desgastante, mas sem isso não consigo manter uma educação boa para minhas filhas”, diz José Odair de Souza, professor de Educação Física e pai de duas meninas com 5 e 10 anos que estudam na rede privada. Pela manhã o professor atua numa escola municipal, em Santa Felicidade. À tarde e à noite, Souza trabalha em Almi­­rante Taman­daré, em um colégio do estado. Em todos os turnos, o professor passa a maior parte do tempo em pé. “Essa é a primeira vez em dez anos que tiro uma folga no meio do ano, porque antes eu passava julho nas colônias de férias”, conta o professor, que esporadicamente ainda apita torneios esportivos e gincanas nos fins de semana.
Alerta
Limites legais diferentes para o regime da CLT
Entre os professores que fazem três turnos também estão aqueles que atuam tanto na rede pública como no setor privado. Para esses, as diferenças legais referentes ao vínculo trabalhista exigem mais cuidados ao reivindicar direitos, como a hora extra.
Segundo o professor de Direito do Trabalho no Centro Universitário Curitiba (UniCuritiba), Eduardo Milléo Baracat, a Constituição autoriza os entes públicos a ter regimes próprios para disciplinar o trabalho do professor. É o que ocorre em muitas prefeituras, por exemplo. Mas os docentes contratados pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), situação de grande parte dos docentes em escolas particulares, precisam observar o limite de quatro aulas consecutivas ou seis intercaladas. Se lecionar mais do que isso num mesmo estabelecimento deve receber hora extra por cada aula que ultrapasse o limite.
As viagens entre uma cidade e outra também fazem parte do dia a dia de Ana Dulce Amaral Rosa, professora de Artes numa escola municipal de Araucária pela manhã e pelo estado à tarde e à noite, dando aulas para turmas de 5.ª série ao Ensino Médio no bairro do Umbará. Ana faz o trajeto diariamente de carro e mesmo assim conta que o tempo para almoçar é sempre curto. “Às vezes não dá, porque no intervalo entre uma escola e outra tem prova para corrigir ou aula para preparar”, diz.
Desigualdade
O município de Araucária é frequentemente citado como destino preferido dos professores da rede pública que assumem va­­gas em duas ou mais escolas em busca de complemento para a renda familiar. O principal atra­­tivo é o salário de R$ 1.675,76 por 20 ho­­ras semanais. O valor é baixo se comparado a outras profissões de igual carga horária e relevância social semelhantes, mas su­­pe­­­rior ao pago pela capital (R$ 1.199,91) e maior do que o dobro oferecido pelo estado (R$ 825,22). Na vizinha Campo Largo, a prefeitura recentemente abriu vagas para docentes oferecendo o salário de R$ 757,32 pela mesma carga horária.
Essa diferença levou Clarissa Busato Peixoto a assumir como professora em dois períodos em Araucária, mesmo trabalhando próximo de onde mora no turno da manhã, em Curitiba. A variedade de faixas etárias e temas que precisa trabalhar também é grande. Pela manhã Clarissa dá aula de Artes a turmas da educação infantil ao 5.º ano; à tarde, em outra escola, é professora de Literatura e à noite trabalha na educação de jovens e adultos. “Se fosse possível eu deixaria um dos períodos. É uma rotina de muito estresse, mas faço isso porque preciso”, diz a professora, que é casada e mora com os dois enteados na Cidade Industrial de Curitiba.
O acúmulo de turnos, no entanto, nem sempre está exclusivamente vinculado à necessidade de au­­mentar renda. A realização profissional é destacada por Regiane Alves da Silva como motivo para prosseguir com dedicação total à profissão.
Servidora da educação pública há 20 anos, Regiane já foi diretora e hoje trabalha como pedagoga nas redes estadual e mu­­nicipal, além de dar aulas na formação de docentes para o estado pela manhã. “Eu gosto do que faço e é principalmente a formação de professores que aumenta minhas forças para continuar”, afirma.
A satisfação de Regiane com a profissão fica mais evidente quando se descobre que seu vínculo com a educação não acaba com o fim do expediente. Nos fins de semana, além de fazer pós-graduação, ela é professora-coordenadora no projeto Comu­nidade Escola há três anos.
Rotina intensa afeta a saúde e a qualidade
As 60 horas semanais que melhoram a condição financeira de milhares de professores são criticadas por analistas que consideram a rotina intensa um obstáculo para a qualidade do ensino e fator prejudicial à saúde.
Segundo a coordenadora do curso de Pedagogia da Universidade Positivo Gelsenmeia Massuquette Romero de Souza, a falta de tempo fora da escola afeta negativamente a qualidade da aula. “Não importa se o professor é novo ou experiente, ele precisa de um tempo pra planejar. Numa rotina de 60 horas não sobra nem para o descanso”, diz. Para ela, 40 horas seriam o limite para manter uma rotina profissional saudável, na qual se pode avaliar a próprio desempenho no fim expediente e exercer bem a função no dia seguinte.
O inevitável desgaste da saúde desses trabalhadores é o que preocupa o médico cardiologista e professor da Pontifícia Uni­versidade do Paraná (PUCPR) José Rocha Faria Neto. Pesquisador da Síndrome de Burnout, doença descoberta na década de 70 ligada ao estresse profissional, o doutor aponta a classe docente como grupo bastante vulnerável ao problema. “Médicos e professores estão no topo da lista dos afetados pela síndrome, que surge do esgotamento físico e psicológico”, explica.
A doença se manifesta por meio de oscilações de humor, distúrbios do sono, dores de cabeça e dificuldades de concentração e deixa o paciente mais vulnerável ao enfarte. Além da síndrome, perda da voz, baixa imunidade e até anemia são outros dos problemas comuns a professores que passam longos períodos em sala de aula.
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Interatividade
Trabalhar em três turnos pode afetar o desempenho do professor em sala de aula? Por quê?
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